terça-feira, 29 de julho de 2014
Astrônomos observam pela primeira vez as entranhas de uma estrela
(Agência Fapesp/Info) Em um pequeno telescópio instalado no topo de uma montanha coberta por bananeiras, entre os municípios sul-mineiros de Brazópolis e Piranguçu, um grupo de cientistas vem acompanhando um fenômeno astronômico inédito, cujo ápice deverá ocorrer nos próximos dias: a abertura de um buraco na superfície de uma estrela gigante, conhecida como Eta Carinae, que permitirá desvendar os segredos de seu interior.
Os dados das observações serão, nos próximos meses, comparados com os modelos teóricos existentes e poderão validar ou colocar em xeque todo o conhecimento científico sobre a estrutura de grandes estrelas, segundo Augusto Damineli, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do grupo internacional composto por 30 cientistas e astrônomos amadores, seis deles brasileiros.
"Os achados terão reflexos indiretos no conhecimento sobre todas as estrelas com mais de dez massas solares, pois elas têm estruturas homólogas. Já as pequenas, como o nosso Sol, são muito diferentes. Mas pode acontecer de encontrarmos algo tão grave que altere até mesmo a teoria sobre a estrutura das pequenas estrelas", disse Damineli à Agência FAPESP. O pesquisador há mais de 20 anos tem se dedicado a estudar, com apoio da FAPESP, os mistérios da "beldade", como chama carinhosamente a estrela.
Situada na constelação de Carina a quase 8 mil anos-luz da Terra, o que nos parâmetros astronômicos é considerado "logo ali do lado", Eta Carinae é uma estrela fora dos padrões. Com tamanho equivalente a 90 massas solares, seu diâmetro pode ser comparado com a distância que a Terra percorre ao redor do Sol. Sua potência luminosa é uma das maiores conhecidas pelo homem: cerca de 5 milhões de sóis.
"Estrelas gigantes eram comuns quando o Universo era jovem e havia matéria-prima abundante, mas, à medida que elas foram se formando, os gases ficaram capturados. Esse tipo de estrela tem vida curta, cerca de 3 milhões de anos, enquanto o Sol pode chegar a 10 bilhões de anos e as estrelas com um décimo da massa solar, a 1 trilhão de anos. A maioria das gigantes estelares, portanto, explodiram logo no começo do universo. Eta Carinae é um dinossauro que temos a sorte de ter em nosso quintal. É possível estudar o passado olhando para ela", afirmou Damineli.
A descoberta do sistema binário
Ainda no começo de sua carreira no IAG-USP, no fim da década de 1980, o astrônomo ficou instigado com alguns fenômenos estranhos que haviam sido descritos em Eta Carinae nos anos de 1948 e 1960. Decidiu então dedicar um tempo para observar a estrela cada vez que fosse a um observatório.
"Eu tinha a hipótese de que quanto maior a energia de uma estrela, maior seria a emissão de luz no espectro ultravioleta. Mas não é possível observar as emissões em ultravioleta da Terra, pois elas são degradadas em outros comprimentos de onda pela atmosfera da estrela e também pela terrestre. Então, me concentrei no canal de hélio", contou Damineli.
O canal ou linha espectral de hélio nada mais é do que a luz ultravioleta absorvida pelos íons de hélio existentes no interior da estrela e reemitida em um comprimento de onda maior, na forma de luz visível, capaz de atravessar as atmosferas estelar e terrestre e chegar com intensidade forte o suficiente para ser captada pelo telescópio Perkin-Elmer de apenas 1,6 metro de diâmetro existente no Observatório do Pico dos Dias, administrado pelo Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA), em Minas Gerais.
"Essa é uma estrela tão estonteante que seria impossível observar tudo o que ela emite, não daria tempo. Me concentrei no canal de hélio, pois sabia que qualquer evento de grande energia seria captado pelo meu satélite artificial de pobre. E foi assim em 1989, 1990, 1991. Mas, em junho de 1992, aquele canal começou a apagar cerca de 60 sóis por noite. É uma variação brutal de energia, mesmo para uma estrela do porte de Eta Carinae. Passados alguns meses, ele voltou a acender", relembra o pesquisador.
Ao comparar os dados de suas observações com as descrições dos fenômenos de 1948 e 1960, Damineli chegou à conclusão de que aquele "apagão" estelar que ocorria em algumas faixas do espectro eletromagnético se repetia a cada 5 anos e meio. Em um artigo publicado no The Astrophysical Journal, em 1996, previu que um novo evento ocorreria no ano seguinte.
Nenhum colega estrangeiro teve coragem de assinar o trabalho com Damineli. Temiam que os dados obtidos no "jungle telescope" (telescópio da selva) de Minas Gerais fossem imprecisos. Mas ele estava certo. A estrela apagou.
"Tal fenômeno só poderia ser explicado pela existência de duas estrelas, uma menor e outra maior. Elas vão girando e, de tempos em tempos, uma esconde a outra. Um eclipse. Calculei 90 massas solares para a maior e 30 para a menor. É o que dá para 5 anos e meio", contou o pesquisador.
Se há de fato duas estrelas, argumentou Damineli, seus ventos solares iriam colidir quando elas se aproximassem do periastro, o ponto mais próximo de suas órbitas, e isso liberaria uma energia de 10 milhões de graus Celsius e causaria a emissão de raios X.
Um grupo de pesquisadores liderado por Mike Corcoran, da National Aeronautics and Space Administration (Nasa), dos Estados Unidos, aceitou a sugestão de Damineli e passou a apontar o telescópio de raios X RXTE praticamente todos os dias para a estrela até que, no período de apagão, a hipótese foi confirmada.
"Corcoran disse: 'Você errou! Na verdade, são 100 milhões de graus Celsius'. E eu respondi: 'Melhor ainda!'", contou Damineli.
Por esse trabalho, em 1999, Corcoran ganhou um prêmio da Nasa. Seus dados deram consistência à abordagem proposta por Damineli e, a partir desse ponto, cresceu exponencialmente o interesse da comunidade astronômica internacional pelos estudos com a gigante da Via Láctea - agora dividida em Eta Carinae A e Eta Carinae B.
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E mais:
Por dentro da estrela (Ciência Hoje das Crianças)
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