quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Kepler pode ajudar físicos estelares

Telescópio espacial avariado poderá oferecer preciosas observações astronômicas


(Scientific American Brasil) Além de procurar exoplanetas, o telescópio da Nasa sempre teve um talento paralelo, pouco divulgado, para a física estelar. Agora que sua principal missão foi comprometida por rodas de reação quebradas na nave espacial, alguns cientistas esperam reorientar o Kepler para um estudo sem precedentes das estrelas mais massivas em nossa galáxia, cujos mecanismos internos são os menos compreendidos de todas as classes estelares.

Nos quatro anos desde o seu lançamento, o Kepler descobriu mais de 3.000 candidatos a exoplanetas, multiplicando muitas vezes o “inventário” de mundos conhecidos além do nosso Sistema Solar. Em julho de 2012, uma de suas quatro rodas de reação estabilizadoras falhou; em maio de 2013, uma segunda roda parou de funcionar e incapacitou a nave espacial de se apontar com precisão para a um único ponto no céu.

A perda das rodas de reação efetivamente acabou com as chances do Kepler de descobrir mais planetas de baixa massa, especialmente o que seria o prêmio de ouro de um análogo da Terra.

Apesar das falhas, a Nasa não perdeu a esperança de que o telescópio ainda pode fazer grandes coisas e, em 2 de agosto, a agência lançou um apelo para ideias de como usar o Kepler com suas duas rodas intactas.

Entre as dezenas de propostas há planos para utilizar o telescópio para detectar asteroides próximos da Terra, descobrir exoplanetas do tamanho de Júpiter, e monitorar Netuno. Além disso, alguns físicos estelares afirmam que as panes deixaram o Kepler em uma posição ideal para aperfeiçoar nosso conhecimento a respeito da evolução de grandes estrelas.

Quando funcionava normalmente, o Kepler era capaz de observar certas estrelas quentes e massivas chamadas de estrelas OB, porque sua luz extremamente brilhante teria apagado os sinais relativamente tênues de planetas.

No entanto, ele se mostrou excelente no estudo de estrelas menores usando um método chamado de asterosismologia (ou sismologia estelar).

Como a sondagem das dinâmicas internas da Terra através do estudo de seus tremores sísmicos, a asterosismologia monitora tremores estelares, que se manifestam como cintilações no brilho de uma estrela, em busca de pistas sobre sua estrutura interna.

Durante a sua missão principal, o Kepler pode fazer isso facilmente porque já estava monitorando de perto as mudanças no brilho das estrelas ao longo do tempo para detectar enfraquecimentos periódicos causados por planetas que passavam na frente das estrelas do ponto de vista da Terra.

O Kepler menos estável, porém, não consegue focalizar com precisão suficiente para estudar as cintilações de estrelas de baixa massa.

As oscilações de estrelas maiores, no entanto, deveriam criar sinais muito mais fortes, que ainda deveriam estar dentro das capacidades de detecção do telescópio, observa Conny Aerts, diretora do Instituto de Astronomia da Universidade de Leuven, na Bélgica, principal autora da proposta. Além disso, estudos desse tipo não podem ser conduzidos satisfatoriamente a partir do solo, porque exigem observar as mesmas estrelas continuamente por longos períodos para detectar oscilações em períodos de horas ou dias e os telescópios terrestres têm de parar de observar sempre que o Sol nasce. O Kepler ainda pode oferecer observações em escalas de tempo mais longas.

Ela e seus colegas sugerem que o Kepler deveria focar um aglomerado estelar aberto chamado NGC 2244, repleto dessas estrelas, o que poderia ser um caso de teste convincente para o método. Um estudo desses exigiria a atenção total do Kepler durante seis meses seguidos para observar como os períodos de oscilações estelares mudam ao longo do tempo. Ainda assim, outras pesquisas científicas poderiam ser feitas com base nos dados coletados, porque o grande campo de visão do telescópio espacial registraria mais que apenas o aglomerado.

“Acredito que o estudo proposto seria um projeto útil”, diz Ronald Gilliland, astrônomo da Pennsylvania State University, que utilizou dados do Kepler no passado para realizar estudos de asterosismologia. “Se o estudo pudesse ser realizado, obtendo seis meses de cobertura a um nível de precisão de 0,01% a 0,05%, traria resultados muito úteis

e única resultaria disso”. Mas Gilliland observa que é muito cedo para saber que precisão esse novo modo do Kepler terá. Além disso, ele tem dúvidas de que a asterosismologia de estrelas massivas seja possível. “Ainda não sabemos algumas coisas muito básicas sobre qual será a capacidade real da nave espacial. Estão sendo realizados testes que devem fornecer insights melhores sobre isso daqui a uns dois meses”. Em última análise, Gilliland foi bastante pessimista. “Eu pessoalmente não tenho muita esperança de que o Kepler encontre um trabalho importante a realizar em sua nova configuração de duas rodas de reação”.

Mesmo que o telescópio prossiga com os esforços para realizar observações de física estelar, muitos cientistas do Kepler relutam em abandonar a razão de existência original do observatório e esperam que ele possa continuar estudando planetas, embora de outro modo. “Os proponentes argumentaram em favor de uma causa útil”, diz Sara Seager, caçadora de planetas membro da equipe científica do Kepler, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) sobre a proposta de asterosismologia. “Para mim é duro ser objetiva sobre a astronomia não-exoplanetária”. Além disso, crescenta, adaptar o Kepler para um propósito para o qual não foi projetado pode apresentar dificuldades adicionais, como a necessidade de desenvolver toda uma nova infraestrutura para converter dados brutos em informações científicas utilizáveis. “Uma das preocupações é que tipo de “rota de informação” precisa ser desenvolvida para um novo projeto? E o que aconteceria se outra roda falhasse no meio do caminho ou logo após o desenvolvimento dos novos procedimentos? Riscos e custos desse tipo também precisam ser levados em conta”.

No fim das contas, pode ser que nenhuma das novas propostas ganhe. A equipe do Kepler tem de provar que a ciência possível com o instrumento de duas rodas é suficientemente valioso para uma parcela do orçamento cada vez da NASA. Se nenhuma das propostas atender a esse alto padrão, o financiamento do Kepler pode ser alocado para outras missões plenamente operacionais. “Temos que perguntar o quanto a ciência é valiosa por dólar”, diz Seager. “Os telescópios espaciais são muito caros para operar, algo na ordem de pelo menos US$ 10 milhões por ano. Então a questão é: a ciência vale o custo?” A equipe Kepler pretende apresentar as melhores propostas à NASA para revisão no final do ano. As que forem consideradas dignas de um estudo mais aprofundado serão examinadas por uma comissão externa no ano que vem, com uma decisão final esperada no próximo verão do hemisfério norte.

Asterosismologia: Os astrônomos esperam usar o telescópio espacial Kepler para observar cintilações na luz das estrelas massivas para entender sua dinâmica interior. Na imagem, curvas de luz de três estrelas massivas observadas pelo satélite europeu CoRoT (COnvection ROtation and planetary Transits) rotação convecção e Trânsitos planetários). Embora esses dados, colhidos por Blomme et al. em 2011, são insuficientes para a modelagem sísmica de longo prazo, os pesquisadores pretendem usar o Kepler para colher dados sísmicos durante seis meses seguidos.

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