quarta-feira, 23 de abril de 2014

Astrónomos descobrem primeiro binário de "auto-lente"


(Astronomia On Line - Portugal) O que parecia à primeira vista uma espécie de planeta de cabeça para baixo, em vez disso revelou um novo método para o estudo de sistemas estelares binários, descoberto por um estudante de astronomia da Universidade de Washington.

Trabalhando com o astrónomo Eric Agol da mesma universidade, o doutorando Ethan Kruse confirmou o primeiro sistema binário de "auto-lente" - um sistema onde a massa da estrela mais próxima pode ser medida pela forma como poderosamente amplia a luz da sua estrela companheira mais distante. Embora o nosso Sol esteja sozinho, cerca de 40% das estrelas do seu tipo encontram-se em sistemas binários (duas estrelas) ou múltiplos, orbitando as suas companheiras numa dança gravitacional.

A descoberta de Kruse confirma a previsão de um astrónomo que em 1973, com base em modelos de evolução estelar da época, afirmou que tal sistema deveria ser possível. O artigo de Kruse e Agol foi publicado na edição de 18 de Abril da revista Science.

Tal como tantas descobertas interessantes, esta aconteceu em grande parte por acidente.

Os astrónomos detectam planetas demasiado longe para observação directa pelo escurecimento na luz quando um mundo passa em frente, ou transita, a sua estrela-mãe. Kruse procurava trânsitos que outros podiam ter perdido em dados do telescópio espacial Kepler, quando viu algo no sistema binário KOI-3278 que não fazia sentido.

"Encontrei o que essencialmente parecia ser um planeta virado de cabeça para baixo," comenta Kruse. "O que normalmente esperamos encontrar é uma diminuição de brilho, mas o que vemos neste sistema é basicamente o oposto - parece um anti-trânsito."

As duas estrelas de KOI-3278, a cerca de 2600 anos-luz na direcção da constelação de Lira, revezam-se uma à outra como estrela mais próxima da Terra (no contexto do sistema) à medida que se orbitam a cada 88,18 dias. Estão separadas por aproximadamente 69 milhões de quilómetros, mais ou menos a distância do planeta Mercúrio ao Sol (no afélio). A anã branca, uma estrela que se pensa estar no final da sua vida, tem o tamanho da Terra mas é 200.000 vezes mais massiva.

Este aumento no brilho, em vez da diminuição que Kruse esperava ver, era a anã branca que curvava e ampliava a luz da sua vizinha mais distante através de lentes gravitacionais, como se fosse uma lupa.

"A ideia base é bastante simples," realça Agol. "A gravidade deforma o espaço e o tempo e à medida que a luz viaja para nós, ela curva-se, muda de direcção. Assim, qualquer objecto gravitacional - qualquer coisa com massa - actua como uma lupa," apesar de fraca. "Precisamos de grandes distâncias para que seja eficaz."

"O facto mais interessante, neste caso, é que o efeito de lente gravitacional é tão forte que somos capazes de medir a massa da anã branca mais próxima. E em vez de se obter uma diminuição de brilho, obtemos um aumento graças à ampliação gravitacional."

Esta descoberta melhora pesquisas em 2013 pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia, que detectaram um efeito de auto-lente semelhante, mas sem o aumento de brilho, porque as duas estrelas estudadas estavam muito mais próximas uma da outra.

"O efeito neste sistema é muito mais forte," realça Agol. "Quanto maior a distância, maior o efeito."

As lentes gravitacionais são ferramentas comuns na astronomia. Já foram usadas para detectar planetas em torno de estrelas distantes na Via Láctea, e foram dos primeiros métodos usados para confirmar a teoria geral da relatividade de Albert Einstein. Lentes dentro da Via Láctea, como esta, são chamadas de microlentes.

Mas, até agora, o processo tinha sido usado apenas em casos fugazes de uma estrela próxima e uma estrela distante, sem estarem associadas de outra forma, apenas alinhadas por sorte (a partir da perspectiva da Terra) antes de se separarem novamente.

"É muito improvável," acrescenta Agol. "À medida que essas duas estrelas viajam pela Galáxia, nunca voltarão a estar alinhadas, por isso vemos o efeito de microlente apenas uma vez e nunca mais se repete. Neste caso, porém, tendo em conta que as estrelas orbitam-se uma à outra, repete-se a cada 88 dias."

As anãs brancas são importantes para a astronomia e são usadas como indicadores da idade da Galáxia. Basicamente "brasas" de estrelas queimadas, as anãs brancas arrefecem a um ritmo específico ao longo do tempo. Com esta lente, os astrónomos podem aprender com muito mais precisão qual a sua massa e temperatura, e observações de acompanhamento podem revelar o seu tamanho.

Ao expandir o conhecimento das anãs brancas, os astrónomos ficam um passo mais perto de melhor refinar a idade da Via Láctea.

"Esta é uma conquista muito importante para um estudante de pós-graduação," realça Agol.

Os dois pediram tempo de observação com o Hubble para estudar KOI-3278 em mais detalhe, e para ver se existem outros sistemas binários como este à espera de serem descobertos nos dados do Kepler.

"Se ninguém viu este, podem também existir muitos outros que ninguém viu," conclui Kruse.
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