quarta-feira, 16 de julho de 2014

Explosão com duração de horas assinala "duplo" das primeiras estrelas


(Astronomia On Line - Portugal) Depois de analisarem, em 2013, uma explosão de luz de longa duração e de alta energia, astrónomos relatam ter encontrado características notavelmente parecidas com aquelas esperadas na explosão das primeiras estrelas do Universo. Se esta interpretação estiver correcta, a explosão valida ideias sobre uma classe recentemente identificada de erupção de raios-gama (GRB, ou "gamma-ray burst") e serve como "duplo" para o que os observatórios do futuro poderão ver como os actos finais das primeiras estrelas.

"Um dos grandes desafios da astrofísica moderna tem sido a busca de identificar a primeira geração de estrelas formadas no Universo, que chamamos de estrelas de População III," explica o cientista Luigi Piro, director de pesquisa do Instituto para Astrofísica Espacial e Planetologia em Roma, uma divisão do Instituto Nacional de Astrofísica da Itália. "Este evento importante é um passo em frente."

Os GRBs são as explosões mais luminosas do Universo. Estas emitem enormes quantidades de raios-gama - a forma mais poderosa de radiação - e raios-X, e produzem brilhos remanescentes que desaparecem rapidamente e que podem ser observados nos comprimentos de onda visível, infravermelho e rádio. Em média, o satélite Swift da NASA, o Telescópio Espacial de Raios-Gama Fermi e outros observatórios detectam aproximadamente um GRB por dia.

Pouco depois das 05:11 de dia 25 de Setembro de 2013 (hora de Portugal), o telescópio de alerta do Swift avistou um pico de raios-gama oriundos de uma fonte na constelação da Fornalha. O observatório alertou automaticamente outros espalhados pelo globo de que uma nova erupção - designada GRB 130925A, devido à data - estava em andamento e apontou o seu telescópio de raios-X em direcção à fonte. Outros satélites detectaram a crescente onda de radiação altamente energética, incluindo o Fermi, o instrumento russo Konus a bordo da sonda Wind da NASA e o observatório INTEGRAL da ESA.

A explosão foi eventualmente localizada numa galáxia tão distante que a sua luz teve que viajar durante 3,9 mil milhões de anos, anterior à evidência mais antiga de vida na Terra.

Os astrónomos já observaram milhares de GRBs ao longo das últimas cinco décadas. Até recentemente, estavam classificados em dois grupos, curtos e longos, com base na duração do sinal de raios-gama. Pensa-se que as erupções curtas, com a duração de apenas dois segundos ou menos, representem a fusão de objectos compactos num sistema binário, em que os suspeitos mais prováveis são as estrelas de neutrões e os buracos negros. Os GRBs longos podem durar entre alguns segundos a vários minutos, com durações típicas entre 20 e 50 segundos. Pensa-se que estes eventos estejam associados com o colapso de uma estrela com muitas vezes a massa do Sol e, consequentemente, o nascimento de um novo buraco negro.

GRB 130925A, em contraste, produziu raios-gama durante 1,9 horas, uma duração mais de cem vezes superior a um típico GRB de longa duração. As observações do telescópio de raios-X do Swift revelaram um brilho remanescente intenso e altamente variável que exibiu fortes erupções durante seis horas, após as quais começou finalmente a desvanecer, como é costume com os GRBs longos.

"O GRB 130925A é um membro de uma classe rara e recentemente reconhecida que chamamos de erupções ultra-longas," afirma Eleonora Troja, investigadora do Centro de Voo Espacial Goddard da NASA em Greenbelt, no estado americano do Maryland, que fez parte da equipa de estudo. "Mas o que realmente o distingue é o seu brilho invulgar em raios-X, que fornece o caso mais forte, até à data, de que os GRBs ultra-longos vêm de estrelas chamadas supergigantes azuis."

Os astrónomos pensam que as estrelas Wolf-Rayet explicam melhor a origem dos GRBs longos. Com mais de 25 vezes a massa do Sol, estas estrelas são tão quentes que expulsam os seus invólucros exteriores de hidrogénio sob a forma de ventos estelares. Quando colapsam, a atmosfera exterior da estrela é essencialmente nula e o seu tamanho físico é comparável ao do Sol. Forma-se um buraco negro no núcleo da estrela e a matéria que cai na sua direcção alimenta jactos que a "escavam". Os jactos continuam a operar durante algumas dezenas de segundos - a escala de tempo dos GRBs longos.

Tendo em conta que os GRBs ultra-longos duram centenas de vezes mais tempo, a estrela de origem deve ter um tamanho físico correspondentemente maior. O suspeito mais provável, dizem os astrónomos, é uma supergigante azul, uma estrela quente com cerca de 20 vezes a massa do Sol, que mantém a sua profunda atmosfera de hidrogénio, atingindo 100 vezes o diâmetro da nossa estrela. Melhor ainda, as supergigantes azuis que contêm apenas uma pequena fracção de elementos mais pesados que o hélio - metais, na gíria astronómica - podem ser substancialmente maiores. O conteúdo metálico de uma estrela controla a força do seu vento estelar e este, por sua vez, determina quanto da sua atmosfera de hidrogénio mantém antes do colapso. Para as maiores supergigantes azuis, o revestimento de hidrogénio demoraria horas a cair para o buraco negro, proporcionando uma fonte de combustível sustentável para alimentar GRBs ultra-longos.

Na edição de 10 de Julho da revista The Astrophysical Journal Letters, os cientistas realçam que as observações rádio do GRB remanescente mostram que exibiu um brilho quase constante ao longo de um período de quatro meses. Este declínio extremamente lento sugere que a onda de choque da erupção movia-se pelo espaço essencialmente desimpedida, o que significa que o ambiente em torno da estrela estava em grande parte livre do material expelido pelos ventos estelares.

A longa duração da erupção em raios-X provou ser uma característica mais intrigante de explicar, requerendo observações do Swift, do Observatório de raios-X Chandra da NASA e do satélite XMM-Newton da ESA. À medida que os jactos altamente energéticos escavam a estrela em colapso, as suas frentes colidem com gás estelar mais frio e aquecem-no. Este gás flui para baixo dos lados do jacto, rodeando-o numa "capa" quente de raios-X. Dado que o jacto viaja uma distância maior dentro das supergigantes azuis, este casulo torna-se mais maciço do que é possível numa estrela Wolf-Rayet. Embora o casulo cresça rapidamente à medida que sai da estrela, as evidências de raios-X indicam que permaneceu intacto. A equipa científica sugere que os campos magnéticos podem ter suprimido o fluxo de gás quente em todo o casulo, mantendo-o confinado perto do jacto.

"Esta é a primeira vez que detectámos este componente termal do casulo, provavelmente porque todas as outras erupções ultra-longas conhecidas ocorreram a distâncias ainda maiores," comenta Piro.

Os astrónomos concluem que a melhor explicação para as propriedades invulgares do GRB 130925A é que anunciou a morte de uma supergigante azul pobre em conteúdos metálicos, um modelo que, sugerem, provavelmente caracteriza toda a classe ultra-longa.

As estrelas fabricam elementos pesados ao longo da sua vida e durante as suas fases finais em explosões de supernova e GRBs. Cada geração enriquece o gás interestelar com uma proporção maior de metais, mas o processo não é uniforme e as galáxias pobres em metais ainda existem nas proximidades. Ao olharmos para mais longe no Universo, significa que estamos a olhar mais profundamente no passado, para as primeiras gerações estelares que se formaram a partir de gases pobres em metais. Os astrónomos pensam que as estrelas da População III terminaram as suas vidas como supergigantes azuis, e assim o GRB 130925A pode vir a ser um análogo próximo e valioso para fenómenos que podemos um dia detectar nas estrelas mais distantes do Universo.

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