quarta-feira, 14 de maio de 2014

O irmão perdido do Sol


(Mensageiro Sideral - Folha) Parece enredo de novela mexicana: o astrônomo Ivan Ramirez encontrou um irmão do Sol perdido há muito tempo — um reencontro após 4,6 bilhões de anos vagando solitariamente pela Via Láctea.

Vamos à triste história, com possível final feliz. Estrelas, em certo sentido, são como bebês: nascem em maternidades — grandes nuvens de gás e poeira que produzem milhares de astros ao mesmo tempo — e passam seus primeiros dias lado a lado com seus colegas recém-nascidos, antes de vagarosamente se afastarem e dissiparem o aglomerado.

Você se lembra de algum dos bebês que estavam ao seu lado logo após o seu nascimento? Pois é, também não sabemos quem estava ao lado do Sol quando ele surgiu, há 4,6 bilhões de anos, junto com seus planetas (inclusive a Terra). Diante dessa dificuldade em identificar membros do aglomerado original, há até quem acredite que nossa estrela pode ter nascido solitária — algo como esses partos em casa, que estão na moda atualmente, apesar de ainda serem a absoluta minoria dos casos. Contudo, o mais provável é que ele tenha sido apenas um de uma vasta coleção de estrelas, crepitando em seus berços até receberem “alta” da maternidade e poderem encontrar seu próprio caminho em órbitas separadas ao redor do centro da Via Láctea.

Agora, Ramirez, da Universidade do Texas em Austin, nos Estados Unidos, parece ter feito o impossível: identificar um desses irmãos há muito desgarrados do Sol.

QUEM É?
A estrela tem 15% mais massa que a nossa e recebeu um nome pouco glamuroso nos catálogos estelares: HD 162826. Está localizada a 110 anos-luz da Terra, na constelação de Hércules, e carrega consigo uma composição química muito similar à solar. Isso, por si só, consiste em possível evidência de que ela foi forjada na mesma nuvem de gás e poeira que gerou o Sol. Mas não prova nada. Afinal, em meio às centenas de bilhões de estrelas da nossa Via Láctea, muitas podem ter composição similar à do Sol sem ter relação nenhuma com ele.

Entra em cena a segunda linha de evidência obtida pelos pesquisadores: eles analisaram a órbita da estrela em torno do centro da Via Láctea e compararam com a trajetória do Sol, computando a distância ao longo do tempo. Rebobinando a fita até 4,6 bilhões de anos atrás, eles perceberam que a distância entre ambas nunca foi absurdamente grande, e já chegou a estar tão perto quanto 32 anos-luz. Claro, existe também uma grande incerteza com relação a isso, porque encontros próximos com estrelas maiores podem ter produzido ligeiros desvios orbitais (tanto no Sol como em HD 162826) ao longo dos últimos bilhões de anos, criando uma ilusão acidental de proximidade em tempos antigos.

É só a soma das duas evidências que permite especular que talvez seja um colega de berçário do Sol. Mas não podemos afirmar com certeza. Estrelas, diferentemente de pessoas, não conservam certidões de nascimento. De toda forma, é tentador imaginar que HD 162826 nos ajude a reconstruir um passado há muito perdido.

E O SISTEMA PLANETÁRIO?
Por sorte, 15 anos antes que Ramirez identificasse a estrela como potencial colega de berçário do Sol, outros astrônomos do Observatório McDonald estiveram observando a HD 162826 em busca de sinais de planetas ao seu redor.

A boa notícia é que já se pode descartar a presença de um Júpiter Quente — ou seja, um planeta gigante gasoso colado à estrela, que tenha devastado o sistema planetário ao migrar de sua região de formação para uma órbita mais curta. Em compensação, apesar de 15 anos de dados, não há evidência de nenhum gigante gasoso ao estilo do nosso Júpiter, com uma órbita de periodicidade de 12 anos. Não dá para descartar por completo, mas os pesquisadores estimam em 65% a chance de que não exista um Júpiter por lá.

Bem, se não há certeza quanto a gigantes gasosos, imagine planetas rochosos. É bem possível que existam vários mundos de tipo terrestre em torno da estrela, mas os dados colhidos não dão nenhum sinal deles — são pequenos demais para ser detectados.

Ramirez e seus colegas, entretanto, não desanimam. Eles acham que encontrar outras estrelas que potencialmente nasceram com o Sol pode ser o caminho para localizar outros sistemas planetários análogos ao nosso. Por isso, estão concentrando seus esforços em identificar métodos que permitam apontar mais rapidamente outros possíveis colegas de berçário solares.

“Não invista muito tempo analisando todos os detalhes em cada estrela”, diz o astrônomo. “Você pode se concentrar em certos elementos químicos chave que serão muito úteis.” Eles sugerem que a presença de elementos químicos como bário e ítrio podem ser especialmente importantes, apontando a região de origem da estrela em vez de uma composição similar produzida em outra parte da galáxia.

De posse de mais candidatos, eles esperam que o satélite europeu Gaia consiga determinar com mais precisão a órbita dessas estrelas, de forma que seja possível encontrar por simulações dinâmicas seu local de origem. Ainda continua sendo um sonho distante reconstruir a vizinhança original do Sol. Mas ao que parece não fracassaremos por falta de tentar. O trabalho original foi aceito para publicação no “Astrophysical Journal”.
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